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Escritos, artigos e catarses

Por Ana Luiza Faria

Colagem surrealista de um homem reflexivo com flores secas, linhas douradas e pretas sobre fundo de papel amassado
© Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial sem autorização.

Há um paradoxo curioso, desejamos profundamente alcançar algo seja reconhecimento, estabilidade, realização pessoal ou profissional e, quando a meta parece ao alcance das mãos, frequentemente criamos obstáculos invisíveis, recuos inesperados, formas sutis de autossabotagem. Por que, quando estamos próximos do sucesso, surge esse impulso quase contraditório de interromper o movimento que nós mesmos iniciamos?


A filosofia sempre se preocupou com a tensão entre desejo e medo. Kierkegaard, ao falar da “angústia da liberdade”, apontava que não é apenas o fracasso que nos ameaça, mas a própria possibilidade de realizar o que tanto desejamos. Estar diante daquilo que pode se concretizar nos coloca frente ao abismo da responsabilidade. Realizar é assumir que não há mais desculpas, que o peso da escolha recai sobre nós. O sucesso, portanto, carrega consigo um fardo: o de nos revelar sem máscaras.


Nietzsche, por sua vez, nos alerta para a resistência que temos ao crescimento. Em sua concepção, viver é um ato de superação constante, mas nem todos suportam o desafio de se tornarem quem são. A autossabotagem pode ser lida como um sintoma dessa dificuldade: quando nos aproximamos de um novo patamar de existência, preferimos o refúgio do conhecido, ainda que nos limite, a atravessar a dor transformadora da superação.


Freud, com sua teoria do inconsciente, também nos ajuda a compreender esse fenômeno. Muitas vezes, os desejos conscientes entram em conflito com pulsões inconscientes que buscam preservar uma identidade já consolidada. O sucesso ameaça desestabilizar a imagem que construímos de nós mesmos. Há quem precise fracassar para se manter em um lugar familiar, ainda que sofrido, pois o novo exige reorganizar tudo aquilo que acreditávamos ser.


Em termos existenciais, autossabotar-se é recusar o peso da autenticidade. Sartre lembrava que estamos condenados à liberdade, e isso significa que não há justificativa externa capaz de nos absolver de nossas escolhas. Estar perto do sucesso é estar perto de assumir que fomos, sim, responsáveis por ter chegado até ali. Mas assumir o êxito é também assumir que, dali em diante, não há desculpas possíveis: será preciso sustentar o que conquistamos.


O sucesso, nesse sentido, não é apenas uma conquista externa, mas uma revelação interna. Ele mostra que somos mais capazes do que imaginávamos, mas também nos obriga a lidar com a instabilidade que essa nova potência traz. Sabotar-se, paradoxalmente, é buscar refúgio na estabilidade do fracasso, que já conhecemos e, por isso, nos parece menos ameaçadora do que a imprevisibilidade do êxito.


Se nos sabotamos diante do sucesso é porque, no fundo, tememos o preço de nos tornarmos plenos. É mais fácil viver na promessa do que no cumprimento, no “quase” do que no “já é”. Filosoficamente, é nesse movimento que revelamos uma das faces mais complexas da liberdade humana: não somos apenas ameaçados pelo fracasso, mas também e talvez ainda mais pelo triunfo.


Por que nos sabotamos quando estamos próximos do sucesso

Por Ana Luiza Faria

Mulher contemplativa em colagem surrealista com flores, folhas secas e linhas douradas, simbolizando o que as estações do ano podem nos ensinar sobre os ciclos da vida
© Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial sem autorização.

A vida, em sua essência, nunca é estática. Tudo nela pulsa, se transforma e retorna em novas formas, como se o tempo fosse um grande caminho entre o início e o fim, entre o brotar e o recolher. O movimento das estações nos lembra disso de maneira silenciosa. Ao observarmos o que acontece na natureza, podemos perceber que não há permanência absoluta: há fluxos, pausas e retomadas, que se repetem e nos convidam a refletir sobre nossa própria caminhada. O começo da primavera, que nos inspira a pensar sobre flores e renascimentos, traz consigo a memória de que só existe renascimento porque antes houve quietude, recolhimento e, em algum momento, também perdas. É esse entrelaçar de fases que nos faz perceber como a vida é cíclica e como cada etapa tem seu valor próprio.


Assim como a terra passa pelo despertar das flores, pelo amadurecimento dos frutos, pela queda das folhas e pela dormência do inverno, também nós atravessamos ciclos de expansão, colheita, desprendimento e silêncio interior. Há momentos em que nos sentimos plenos, em que projetos florescem e ideias ganham cor, como se fosse um tempo de brotar. Mas também enfrentamos épocas de deixar ir, de abrir espaço para o novo, ainda que isso signifique lidar com a ausência ou o vazio. Em seguida, vem a pausa, aquela fase em que a vida parece desacelerar, em que não há tantas novidades à vista, mas em que dentro de nós sementes invisíveis estão sendo gestadas. Por fim, o ciclo se reinicia: o que parecia perdido encontra outra forma de existir, o que parecia o fim se revela apenas um intervalo.


A beleza de compreender a vida como cíclica é que aprendemos a não lutar contra o tempo, mas a fluir com ele. Resistir ao movimento natural é como querer que uma árvore floresça em pleno inverno: é uma expectativa que gera frustração. Quando aceitamos que há épocas de florescer e épocas de recolher, compreendemos que nada é definitivo. Isso traz serenidade diante das perdas e humildade diante das conquistas, pois tudo está inserido em um mesmo fluxo maior. Os ciclos nos recordam de que a existência não é uma linha reta, mas um círculo contínuo em que cada fim prepara um começo e cada começo já contém em si a promessa de transformação.


Refletir sobre os ciclos nos ajuda também a olhar para a vida com mais paciência. Muitas vezes, desejamos resultados imediatos, esquecendo que a natureza não apressa seu próprio ritmo. Uma semente precisa de tempo para se tornar raiz, caule, folha e flor. Do mesmo modo, nossos processos internos pedem maturação. Há dores que só o tempo cura, há sonhos que só se concretizam depois de muitas tentativas, há aprendizados que só chegam após passarmos por fases de silêncio ou aparente esterilidade. Se não houvesse ciclos, a vida se tornaria repetitiva e sem graça. É justamente a alternância entre plenitude e vazio, movimento e pausa, que nos dá profundidade e sentido.


O ciclo da vida, assim como as estações, é também uma oportunidade de nos reconectar com a esperança. A certeza de que depois da noite sempre virá o dia, de que depois do frio sempre haverá calor, de que após a queda das folhas haverá novos brotos, sustenta nossa confiança diante das dificuldades. Nada permanece para sempre, nem mesmo a dor. Por isso, ao acolhermos cada etapa sem pressa, sem resistência, aprendemos a encontrar beleza até nos momentos mais difíceis. Há poesia em cada fase, mesmo quando não conseguimos percebê-la imediatamente.


Nesse sentido, o início da primavera é mais do que um marco de mudança do clima: é um convite simbólico a recordarmos que a vida sempre se renova. É a lembrança de que a transformação é inevitável, mas também é possibilidade. Cada estação nos ensina, sem precisar de palavras, que não estamos presos ao que já foi e que sempre haverá um espaço aberto para o que virá. E é exatamente esse movimento contínuo, esse fluxo natural, que dá à vida profundidade e graça.


O que as estações do ano podem nos ensinar sobre os ciclos da vida

Por Ana Luiza Faria

Colagem surrealista de mulher serena com flores e folhas secas, linhas douradas e pretas representando emoções sutis
© Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial sem autorização.

A intensidade com que cada pessoa sente e expressa suas emoções não é fruto do acaso. Existem fatores biológicos, psicológicos e sociais que contribuem para que uns vivam as experiências emocionais de forma mais intensa, enquanto outros parecem manter maior estabilidade diante das mesmas situações. Compreender esses aspectos pode ajudar não apenas a aceitar as diferenças individuais, mas também a refletir sobre como cada trajetória de vida molda o modo de sentir.


Do ponto de vista biológico, estudos mostram que o funcionamento do sistema nervoso central tem grande impacto na forma como respondemos ao mundo. Pesquisas em neurociência identificam que estruturas como a amígdala e o córtex pré-frontal regulam a intensidade das respostas emocionais. Pessoas com maior reatividade da amígdala, por exemplo, tendem a vivenciar sentimentos de forma mais marcante (Pessoa, 2017). Além disso, fatores genéticos influenciam a sensibilidade emocional. Uma revisão conduzida por Kret e Ploeger (2015) destaca que herdamos predisposições que podem nos tornar mais atentos e responsivos às mudanças do ambiente.


Mas a biologia não atua sozinha. A história de vida desempenha papel central. Indivíduos que cresceram em contextos de instabilidade emocional ou altos níveis de estresse podem desenvolver um padrão de maior vigilância e intensidade afetiva. Já aqueles que tiveram experiências de segurança e acolhimento podem internalizar modos mais regulados de lidar com sentimentos. Esse aspecto foi amplamente discutido pela teoria do apego, de John Bowlby, que mostrou como os vínculos iniciais deixam marcas profundas na forma de sentir e se relacionar.


Também não se pode ignorar a dimensão cultural. Sociedades diferentes ensinam, de modos explícitos ou sutis, como se deve expressar ou controlar emoções. Em alguns grupos, demonstrar sensibilidade é visto como sinal de autenticidade e conexão, enquanto em outros pode ser interpretado como fraqueza. Essa moldura cultural ajuda a explicar por que pessoas que vivem em ambientes distintos desenvolvem estilos emocionais variados. Pesquisas interculturais de Matsumoto (2006) demonstram que normas sociais determinam não apenas como reagimos internamente, mas principalmente o quanto mostramos ao mundo essas reações.


A psicologia contemporânea também destaca o papel da personalidade. O traço de "neuroticismo", descrito nos modelos dos Cinco Grandes Fatores, está associado a maior instabilidade emocional. Indivíduos com pontuação mais elevada nesse traço tendem a experimentar altos e baixos intensos, enquanto aqueles com níveis mais baixos mostram maior constância. Isso não significa defeito ou virtude, mas diferentes formas de perceber a vida.


É importante lembrar que a intensidade emocional pode trazer tanto desafios quanto potenciais. Pessoas que sentem mais profundamente podem enfrentar maior vulnerabilidade a estados de ansiedade ou tristeza, mas também apresentam elevada capacidade de empatia e sensibilidade estética. Já os que vivem emoções de maneira mais equilibrada podem ter facilidade em manter estabilidade e foco, mas podem se sentir menos mobilizados em certas experiências. Não se trata de estabelecer o que é melhor ou pior, mas de reconhecer a diversidade humana.


O que fica evidente é que ser mais ou menos emotivo resulta de uma complexa interação entre biologia, ambiente, cultura e escolhas pessoais. Refletir sobre isso nos ajuda a enxergar as diferenças sem julgamento, lembrando que cada modo de sentir é, em si, uma forma de existir no mundo.


Referências Bibliográficas


BOWLBY, John. A secure base: parent-child attachment and healthy human development. New York: Basic Books, 1988.


KRET, M. E.; PLOEGER, A. Emotion processing deficits: a liability spectrum providing insight into psychopathology. Frontiers in Psychology, Lausanne, v. 6, p. 981, 2015. DOI: https://doi.org/10.3389/fpsyg.2015.00981.



MATSUMOTO, D. Are cultural differences in emotion regulation mediated by personality traits? Journal of Cross-Cultural Psychology, Thousand Oaks, v. 37, n. 4, p. 421-437, 2006. DOI: https://doi.org/10.1177/0022022106288478.



PESSOA, Luiz. The cognitive-emotional brain: from interactions to integration. Cambridge: MIT Press, 2017.



Por que algumas pessoas são mais emotivas que outras?

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