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Escritos, artigos e catarses

Por Ana Luiza Faria

Colagem surrealista delicada de uma mulher entre flores secas e linhas douradas representando tristeza e esperança
© Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial sem autorização.

Há dias em que a tristeza se acomoda dentro de nós como uma visita inesperada. Chega devagar, muda o ritmo do dia, e às vezes, insiste em ficar. É um sentimento comum, parte inevitável da experiência de viver. A tristeza aparece quando perdemos algo, quando algo nos fere, ou simplesmente quando o corpo e a mente pedem pausa. É um sinal de que algo precisa ser olhado com mais cuidado, não necessariamente curado porque nem tudo o que dói precisa ser apagado.


Mas há momentos em que o que antes era uma presença passageira se transforma em um peso contínuo, que retira o brilho das horas, que altera o sono, o apetite e até a percepção do tempo. Quando o cansaço emocional deixa de ser oscilante e passa a ocupar todos os espaços, o que antes era tristeza pode se transformar em um quadro mais complexo, que ultrapassa o campo das reações naturais às perdas e frustrações. A diferença entre esses estados não está apenas na intensidade, mas na permanência e na capacidade de interferir na vida cotidiana.


A tristeza, por mais desconfortável que seja, costuma manter uma forma de movimento. Mesmo quando o dia está nublado, há uma lembrança de que o sol existe. Já a depressão altera o olhar sobre o próprio futuro, distorce as cores do mundo e produz um vazio persistente, como se o corpo continuasse ali, mas sem força para desejar. É uma condição que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2023), afeta mais de 280 milhões de pessoas no mundo, e está relacionada a fatores biológicos, psicológicos e sociais que ultrapassam a simples presença de um sentimento.


Reconhecer essa diferença é essencial, não para medir quem sofre mais, mas para compreender que cada estado tem um papel. A tristeza é uma resposta natural à vida; ela ensina, reorganiza e, com o tempo, abre espaço para novos significados. A depressão, por outro lado, não ensina ela paralisa. É uma presença que não se dissolve com o tempo ou com o consolo. Requer cuidado especializado, escuta atenta e suporte adequado.


É importante não confundir o direito de sentir com a obrigação de suportar. Vivemos em uma cultura que tenta esconder o que é incômodo, transformando o sofrimento em algo a ser rapidamente consertado. Mas a tristeza não é um erro, nem um sinal de fraqueza. Ela é o que permite reconhecer o que importa. O perigo está em ignorar quando o sofrimento deixa de ser movimento e se torna prisão silenciosa.


Aprender a diferenciar a tristeza de um estado depressivo não é apenas um exercício de compreensão, mas também um gesto de cuidado. Saber nomear o que se sente é uma forma de encontrar sentido, de se permitir buscar ajuda quando necessário, e de acolher a si mesmo com a mesma delicadeza com que se acolheria um amigo que sofre.


Ambas importam porque sentir é o que nos conecta ao que somos, mas cuidar do sofrimento é o que permite continuar. A tristeza pode ser o solo fértil de uma transformação, mas a depressão é o chamado para não caminhar sozinho.


Referência Bibliográfica: Por que tristeza não é depressão, mas ambas importam

Organização Mundial da Saúde (OMS). Depression. Geneva: World Health Organization, 2023. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/depression

Por Ana Luiza Faria

Colagem surrealista de uma mulher caminhando em piloto automático com flores e folhas secas em fundo de papel amassado
© Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial sem autorização.

Há momentos em que os dias parecem se repetir sem que percebamos. Acordamos, seguimos uma rotina, cumprimos tarefas, passamos pelas mesmas ruas, realizamos conversas habituais. Mas, quando olhamos para trás, muitas vezes não conseguimos lembrar com clareza de como ocupamos cada instante. Essa sensação de estar apenas reagindo aos acontecimentos, em vez de estar realmente presente, é um dos sinais de que podemos estar vivendo no chamado piloto automático.


Viver dessa forma não significa apenas manter hábitos. O automatismo se instala quando a repetição se transforma em ausência de atenção. É como se estivéssemos presentes fisicamente, mas a mente vagasse em outro lugar. Um exemplo comum acontece em trajetos conhecidos: dirigir ou caminhar por uma rua e, ao chegar ao destino, perceber que não se recorda dos detalhes do percurso. O corpo esteve ali, mas a experiência passou despercebida.


Esse mecanismo pode ser compreendido como uma economia de energia do cérebro. Pesquisas apontam que grande parte das nossas ações diárias é realizada de forma automática, justamente para poupar esforço cognitivo (Bargh & Chartrand, 1999). O problema não está em utilizar essa função ela é necessária. O risco surge quando a maior parte da vida se resume a esse estado, sem espaço para a consciência dos próprios sentimentos, escolhas e experiências.


Identificar esse modo de funcionamento exige certa pausa. Um indício é perceber quando as conversas se tornam superficiais, repetitivas, sem uma escuta real do outro. Outro sinal está na dificuldade de lembrar de pequenos detalhes do dia: o sabor do café, a expressão de alguém querido, o caminho do vento pela janela. A ausência dessas memórias pode mostrar que os instantes passaram sem que fossem vividos de fato.


Outro aspecto importante é notar a desconexão entre o que se faz e o que se sente. Há quem realize diversas atividades, mas com a sensação constante de vazio, como se nada tivesse real valor. Essa lacuna revela que, mesmo em movimento, não há uma presença genuína. A vida se torna uma sequência de compromissos que preenche o tempo, mas não necessariamente gera sentido.


Sair desse estado não acontece por meio de grandes transformações imediatas. Muitas vezes começa por pequenos gestos de atenção. Perceber a respiração por alguns segundos, observar as cores ao redor, prestar atenção nas palavras durante uma conversa. Esses instantes breves interrompem o fluxo automático e criam frestas de consciência.


Estar atento ao fato de que é possível viver em piloto automático já é um passo importante. Reconhecer esse funcionamento abre espaço para escolhas mais conscientes, em que a vida deixa de ser apenas uma repetição e ganha novamente textura, profundidade e presença.


Referência Bibliográfica Como identificar quando você está vivendo no piloto automático


BARGH, J. A.; CHARTRAND, T. L. The Unbearable Automaticity of Being. American Psychologist, v. 54, n. 7, p. 462–479, 1999.


Como identificar quando você está vivendo no piloto automático

Por Ana Luiza Faria

Colagem surrealista delicada de um homem vintage entre linhas douradas e pretas com flores e folhas secas, simbolizando como as expectativas afetam nossos relacionamentos
© Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial sem autorização.

Desde cedo aprendemos a projetar imagens sobre o que esperar dos outros. Criamos ideias sobre como alguém deve se comportar, falar, demonstrar afeto ou responder aos nossos gestos. Essas projeções silenciosas, muitas vezes invisíveis até para nós mesmos, tornam-se guias ocultos que direcionam a forma como nos aproximamos e convivemos.


As expectativas funcionam como molduras: delimitam o espaço onde o outro poderia se mover e, ao mesmo tempo, reduzem a possibilidade de percebermos aquilo que escapa do esperado. Quando a pessoa não corresponde ao que idealizamos, surge a frustração, um vazio que muitas vezes não está no que o outro fez ou deixou de fazer, mas no abismo entre o que criamos mentalmente e a realidade que se apresenta.


Essa distância pode se tornar fonte de conflito. Quantas vezes nos decepcionamos não porque houve uma falha objetiva, mas porque o gesto recebido não correspondeu à forma como imaginávamos que deveria ser? O silêncio de um amigo pode ser interpretado como indiferença, quando, na verdade, pode ser apenas um modo diferente de lidar com o próprio tempo. A ausência de uma palavra de carinho pode soar como desamor, quando pode simplesmente significar que o outro expressa cuidado de formas diversas.


As expectativas não são apenas individuais; elas também são alimentadas por modelos sociais, culturais e familiares. Esperamos de um parceiro que aja de determinada maneira porque aprendemos que essa seria a “forma correta” de demonstrar amor. Criamos imagens sobre o que um filho “deveria” realizar ou sobre como os pais “deveriam” se portar. Esse imaginário compartilhado é transmitido de geração em geração, e muitas vezes pesa sobre nós como se fosse natural, quando, na realidade, trata-se de construções.


Ao mesmo tempo, as expectativas têm um papel ambíguo: podem impulsionar vínculos ou sufocá-los. Quando equilibradas, ajudam a dar direção às relações, favorecendo acordos e compreensão mútua. No entanto, quando se tornam rígidas, transformam-se em exigências silenciosas que o outro não sabe que precisa cumprir. É nesse ponto que muitos vínculos se desgastam, pois ninguém consegue sustentar por muito tempo o peso de ocupar o lugar idealizado pelo outro.


Refletir sobre esse processo não significa abandonar toda e qualquer expectativa, mas reconhecê-las como parte do encontro com o outro. Ao perceber que elas existem, ganhamos a chance de transformá-las em algo menos rígido, abrindo espaço para acolher a singularidade de quem está diante de nós. É nesse espaço de abertura que os relacionamentos encontram maior liberdade para florescer.


Afinal, quando reduzimos a necessidade de que tudo corresponda ao que imaginamos, surge a possibilidade de nos surpreendermos. O inesperado, nesse contexto, não precisa ser ameaça, mas pode ser convite para descobrir modos diferentes de estar junto, mais próximos da realidade do que da projeção.


Como as expectativas afetam nossos relacionamentos

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