- 3 min de leitura
Por Ana Luiza Faria

A noção de liberdade ocupa um lugar central no pensamento de Jean-Paul Sartre. Para o filósofo existencialista francês, o ser humano está condenado a ser livre, isto é, lançado em um mundo sem fundamentos transcendentes que determinem suas escolhas, resta-lhe apenas a responsabilidade de criar-se continuamente através de seus atos. Essa concepção de liberdade rompe com tradições filosóficas que buscavam ancorar a existência em essências pré-determinadas, como na metafísica aristotélica, ou em estruturas racionais universais, como em Kant.
Em O Ser e o Nada (1943), Sartre defende que a existência precede a essência, o que significa que o ser humano não nasce com um propósito fixo; ao contrário, constrói a si mesmo a cada decisão. O indivíduo é, antes de tudo, projeto. Assim, a liberdade não é apenas um direito ou uma possibilidade externa, mas uma condição ontológica do ser humano. “O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo” (SARTRE, 2015, p. 29).
Essa perspectiva coloca o sujeito em uma posição de responsabilidade radical. Diferente de correntes deterministas, que explicam a ação humana por meio de causas externas sejam elas sociais, biológicas ou divinas , Sartre enfatiza que sempre há escolha. Mesmo diante de circunstâncias limitantes, o indivíduo escolhe como responder a elas. É nesse ponto que surge a angústia existencial: a percepção de que não há justificativas externas para nossas escolhas, apenas a liberdade absoluta e o peso da responsabilidade.
A filosofia sartriana dialoga criticamente com Kant. Embora ambos reconheçam a autonomia como núcleo da liberdade, Kant a concebia a partir da lei moral universal, onde a razão confere legitimidade à ação. Já Sartre dissolve essa universalidade: não há lei racional prévia que dite o caminho; a cada ato, o homem inventa valores. Essa diferença evidencia o salto radical do existencialismo em direção a uma liberdade sem garantias transcendentes.
Se compararmos Sartre a Hegel, encontramos outra tensão. Para Hegel, a liberdade se realiza no movimento dialético da história, quando o espírito absoluto reconhece a si mesmo no mundo. Em Sartre, porém, não há uma teleologia histórica que assegure o destino da liberdade. Ela é vivida concretamente por cada sujeito, em suas escolhas cotidianas, em meio ao absurdo da existência.
Um dos aspectos mais provocativos da filosofia sartriana é a ideia de má-fé (mauvaise foi). Trata-se da tentativa do indivíduo de escapar de sua liberdade, assumindo papéis sociais ou crenças rígidas como se fossem essências definitivas. Quando alguém se esconde atrás de justificativas “sou apenas assim”, “não tive escolha”, cai na má-fé. O oposto da má-fé é a autenticidade, isto é, o reconhecimento da liberdade como condição inevitável e a assunção plena da responsabilidade pelos próprios atos.
Ao aproximarmos Sartre de Nietzsche, encontramos afinidades na crítica às essências fixas e ao peso da moral tradicional. Nietzsche fala do Übermensch como aquele que cria valores em um mundo sem garantias divinas; Sartre, por sua vez, insiste que o homem inventa a si mesmo em um processo contínuo de escolhas. Ambos, cada qual a seu modo, apontam para a coragem de viver em um universo desprovido de fundamentos absolutos.
A liberdade, para Sartre, não é apenas possibilidade abstrata, mas está sempre enraizada em situações concretas. Essa ideia foi aprofundada em sua obra posterior, Crítica da Razão Dialética (1960), onde introduz o conceito de liberdade situada. Aqui, Sartre reconhece que fatores históricos e sociais impõem condições objetivas, mas, mesmo nelas, o sujeito continua responsável por suas escolhas. A liberdade, portanto, nunca é absoluta no sentido prático, mas continua ontologicamente inescapável.
Ao refletirmos sobre a filosofia da liberdade em Sartre, percebemos um convite ao enfrentamento da vida em sua inteireza. A existência humana não está garantida por essências, leis morais ou teleologias históricas. Ela é, antes, o campo aberto da criação de si. Essa responsabilidade radical pode parecer angustiante, mas é também aquilo que confere sentido à vida: a liberdade é, em última instância, o destino do homem.
Referências Bibliográficas
HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 2012.
KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
NIETZSCHE, F. Assim Falou Zaratustra. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
SARTRE, J.-P. O Ser e o Nada. Petrópolis: Vozes, 2015.
SARTRE, J.-P. Crítica da Razão Dialética. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.