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Lacan e a relação entre linguagem e pensamento

  • Foto do escritor: Ana Luiza Faria
    Ana Luiza Faria
  • 20 de out. de 2024
  • 4 min de leitura

Por Ana Luiza Faria

linguagem e pensamento

A linguagem e o pensamento são temas centrais na psicanálise, especialmente na obra de Jacques Lacan, que reformulou muitas ideias freudianas ao destacar o papel da linguagem na constituição do sujeito. Para Lacan, a relação entre linguagem e pensamento é intrínseca, e compreender essa conexão é fundamental para quem busca entender como se formam as emoções, as crenças e os conflitos internos.


Lacan parte da ideia de que "o inconsciente é estruturado como uma linguagem". Essa afirmação resume a visão lacaniana de que o inconsciente não é apenas um repositório de conteúdos reprimidos, como originalmente propôs Freud, mas uma estrutura dinâmica que opera através de mecanismos similares aos da linguagem. Isso significa que o inconsciente "fala" por meio de signos, símbolos e narrativas, que não seguem uma lógica racional direta, mas sim a lógica do desejo e da falta.


O pensamento, por sua vez, não é independente da linguagem. Pelo contrário, ele emerge e é moldado por ela. Desde o momento em que nascemos, somos inseridos em um sistema de significados que já existia antes de nós — a linguagem. Ao aprender a falar, entramos nesse mundo simbólico e passamos a organizar nossas experiências internas e externas com base nele. Dessa forma, a linguagem oferece os termos e as estruturas pelos quais pensamos, sentimos e até mesmo fantasiamos.


Na teoria lacaniana, os processos mentais são divididos em três registros: o Simbólico, o Imaginário e o Real. Esses registros ajudam a entender como a linguagem influencia o pensamento e a percepção da realidade.


O Simbólico é o registro da linguagem propriamente dita. É o campo onde os significantes (as palavras, os sons e os símbolos) formam redes de sentido e organizam nosso mundo. Quando pensamos, fazemos isso a partir das categorias que a linguagem oferece. Sem a linguagem, não há pensamento como o conhecemos.


O Imaginário, por outro lado, está relacionado à formação das imagens mentais, à forma como percebemos o mundo e a nós mesmos. Lacan sugere que, antes de aprender a falar, a criança vive em um estágio predominantemente imaginário, no qual sua identidade e o mundo ainda não estão completamente diferenciados. O pensamento, nesse nível, é mais baseado em imagens e sensações do que em conceitos articulados.


O Real é o registro que escapa à linguagem, o que é impossível de ser simbolizado ou descrito completamente. Trata-se das experiências e dos traumas que não podem ser postos em palavras. No entanto, isso não significa que o Real não afete o pensamento; pelo contrário, ele surge como aquilo que sempre escapa à compreensão plena, mas que constantemente influencia nosso modo de pensar e agir.


Um dos conceitos mais importantes em Lacan é o do "significante". Para ele, o significante é a unidade básica da linguagem, mas seu significado não é fixo; ele depende da relação com outros significantes dentro de um sistema de linguagem. Isso se reflete no pensamento: muitas vezes, o que acreditamos pensar conscientemente é apenas uma tentativa de dar sentido aos significantes inconscientes que nos afetam.


Por exemplo, uma pessoa pode repetir certos padrões de pensamento ou comportamento sem entender o porquê. Na visão lacaniana, isso acontece porque esses pensamentos são guiados por significantes que remetem a desejos e conflitos inconscientes. A análise psicanalítica busca justamente desvelar esses significantes, ajudando o indivíduo a dar um novo sentido à sua experiência psíquica.


Na perspectiva lacaniana, o sujeito é "assujeitado" pela linguagem. Isso quer dizer que o "eu" que pensamos ser é, na verdade, uma construção a partir dos significantes que recebemos e interiorizamos. Desde o início da vida, começamos a nos identificar com nomes, categorias e papéis sociais que são dados pela linguagem. Esses elementos moldam nossa maneira de pensar sobre nós mesmos e sobre o mundo ao redor.


Quando uma pessoa fala, ela não expressa apenas pensamentos conscientes, mas também revela elementos de seu inconsciente. Esse é o papel central da fala na psicanálise: ela é o meio pelo qual o sujeito se posiciona e, ao mesmo tempo, se revela. A forma como escolhemos as palavras, as pausas que fazemos e até mesmo os erros de linguagem, como os "atos falhos", são pistas para o conteúdo inconsciente que orienta nossos pensamentos.


Outro ponto crucial na teoria lacaniana é a relação entre o pensamento e o desejo. Lacan defende que o pensamento é sempre orientado pelo desejo, mesmo que não estejamos conscientes disso. O desejo, na psicanálise, não é simplesmente a vontade de algo concreto, mas a busca por preencher uma falta que nunca pode ser completamente satisfeita.


A linguagem, nesse contexto, é o meio pelo qual expressamos e tentamos dar sentido a essa falta. O pensamento, por sua vez, é constantemente impulsionado por essa busca, mesmo que o objeto de desejo nunca seja completamente alcançado. Por isso, os pensamentos tendem a ser repetitivos, circulando em torno de questões que parecem nunca se resolver por completo.


Na clínica, a linguagem é a principal ferramenta para acessar o inconsciente e reorganizar o pensamento do sujeito. Durante as sessões, o psicanalista escuta atentamente o que é dito e, mais importante, como é dito. Os lapsos, as repetições e as associações livres revelam os caminhos do pensamento inconsciente.


Ao trazer esses conteúdos à superfície, o sujeito pode repensar sua relação com os significantes que o afetam, permitindo uma reorganização do seu pensamento e, em última análise, uma transformação emocional.


A relação entre linguagem e pensamento, à luz da psicanálise lacaniana, é uma via de mão dupla. A linguagem molda nosso pensamento, ao mesmo tempo em que nossos pensamentos são uma expressão dos significantes que nos constituem. Entender essa dinâmica é fundamental para compreender como funcionamos psicologicamente, como nos relacionamos com o mundo e, principalmente, como lidamos com nossos desejos e conflitos internos. Na terapia psicanalítica, explorar essa relação pode ser um caminho poderoso para a autocompreensão e o crescimento pessoal.

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