Lutos invisíveis
- Ana Luiza Faria
- há 3 minutos
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Por Ana Luiza Faria

Existem dores que não aparecem em fotos de despedidas nem em rituais marcados pela ausência. São lutos que atravessam a vida sem cerimônia, flores ou gestos formais de consolo. Perdas que não encontram lugar para serem guardadas, mas que ainda assim pesam no peito. São os lutos invisíveis aqueles que não encontram espaço para serem ditos em voz alta, mas que, silenciosamente, moldam quem nos tornamos.
Um desses lutos acontece quando precisamos deixar de frequentar um lugar. Pode ser a padaria da infância, a casa da avó ou até um banco específico em uma praça onde tantas conversas e silêncios foram guardados. Quando voltamos, muitas vezes percebemos que nada é mais como antes. Os cheiros mudaram, as pessoas se foram, ou talvez nós já não sejamos os mesmos. Essa ausência de território é uma perda discreta, mas real: um pedaço de vida que já não pode mais ser vivido.
Outro luto que raramente se fala é o de perder versões de si mesmo. Crescer, amadurecer e mudar trazem ganhos, mas também deixam rastros de despedida. A criança que você foi, o adolescente sonhador, o adulto que acreditava em caminhos que não se cumpriram todos eles ficaram pelo caminho. Não existe urna ou lugar onde possamos depositar essas versões, mas existe saudade de quem já não volta. Às vezes, esse tipo de perda dói tanto quanto a ausência de alguém querido.
Há também a dor de se afastar de pessoas que ainda estão vivas. Amizades que se desmancham no tempo, relações que se esvaziam, vínculos que se desfazem sem brigas marcantes. É estranho perceber que alguém que um dia foi tão próximo hoje é apenas um nome perdido na memória do celular. Esses lutos são silenciosos porque parecem menos legítimos afinal, a pessoa está viva, caminhando em outro lugar. Mas a ausência dela na sua vida continua sendo uma perda, com todos os seus pesos.
Nem todos os lutos têm flores ou rituais, mas todos merecem ser reconhecidos. Quando negamos essas dores, elas se acumulam como camadas de silêncio dentro de nós. Reconhecê-las não significa se apegar ao que já não volta, mas dar nome àquilo que ficou em suspenso. É um gesto de cuidado consigo mesmo admitir: “eu perdi algo, e isso doeu”.
Ao falar sobre lutos invisíveis, abrimos espaço para que experiências cotidianas e subjetivas sejam acolhidas. Porque perder não é apenas dizer adeus a alguém que partiu para sempre, mas também aceitar as tantas despedidas sutis que nos atravessam ao longo da vida. Essas perdas, quando reconhecidas, podem se transformar em aprendizado, memória e até em força para seguir adiante.
A verdade é que carregamos muitos pequenos lutos no decorrer da existência. Alguns se disfarçam em saudade, outros em nostalgia, outros em uma estranha melancolia que não sabemos explicar. Mas todos fazem parte do processo de reconstrução constante de quem somos.
No fim, talvez a maior delicadeza que possamos ter conosco seja essa: honrar as perdas invisíveis, sem pressa de superá-las, entendendo que até o silêncio carrega suas despedidas.