top of page

O impacto da vida moderna na desconexão com o eu interior

  • Foto do escritor: Ana Luiza Faria
    Ana Luiza Faria
  • 27 de dez. de 2024
  • 3 min de leitura

Por Ana Luiza Faria

O impacto da vida moderna na desconexão com o eu interior

A vida moderna, em seu ritmo incansável e frequentemente desordenado, apresenta desafios únicos para a relação que estabelecemos com nós mesmos. A promessa de progresso trouxe inegáveis avanços, mas também gerou um paradoxo: quanto mais nos conectamos ao mundo externo, mais parecemos nos distanciar do nosso eu interior. Essa desconexão, embora difícil de ser percebida em meio às demandas do cotidiano, repercute em dimensões profundas da experiência pessoal.


O ritmo acelerado, que se tornou sinônimo de eficiência e sucesso, também é a causa de uma fragmentação interna. O corpo e a mente, muitas vezes tratados como entidades separadas, têm sua sintonia natural rompida pela necessidade incessante de "fazer mais". Ações e pensamentos passam a ser moldados pela urgência e pela pressão do tempo, enquanto as pausas tão necessárias para a reflexão e o equilíbrio são vistas como desperdício. Essa negação do repouso e da introspecção cria um terreno fértil para a alienação de si mesmo, dificultando o reconhecimento das necessidades emocionais e físicas mais básicas.


A tecnologia, elemento central da vida contemporânea, desempenha um papel ambivalente nesse processo. Por um lado, facilita a comunicação, o acesso à informação e a realização de tarefas que, em outros tempos, exigiriam esforço monumental. Por outro, promove uma hiperconexão que frequentemente desvaloriza a experiência direta com o corpo e o ambiente ao redor. O deslocamento da atenção para telas e dispositivos faz com que a percepção do próprio estado interno seja negligenciada. Perguntas simples como “O que sinto agora?” ou “Como está meu corpo neste momento?” são soterradas por notificações, metas digitais e a sedução de um mundo virtual que nunca descansa.


A cultura do consumo, outro pilar da modernidade, aprofunda essa desconexão ao associar o bem-estar a conquistas externas e à acumulação de bens. A lógica de “ter para ser” desvia a atenção da experiência vivida, ancorando o valor pessoal em um ideal inatingível que, ao mesmo tempo em que impulsiona o desejo, perpetua a insatisfação. Nesse contexto, o corpo muitas vezes se transforma em objeto algo a ser moldado, ajustado e otimizado para corresponder a padrões estéticos e funcionais impostos de fora para dentro. Essa objetificação dificulta a escuta sensível e o cultivo de uma relação genuína consigo mesmo.


Outro aspecto da vida moderna que contribui para o afastamento do eu interior é o isolamento social disfarçado de conectividade. A solidão, frequentemente camuflada pela ilusão de redes sociais e interações digitais, priva as pessoas de experiências de contato autênticas. A falta de encontros significativos com o outro não apenas limita a troca emocional, mas também reduz as oportunidades de autodescoberta, já que é nas relações que muitos padrões internos se tornam visíveis.


Diante desse cenário, o corpo, como mediador da experiência, emerge como um ponto de partida crucial para a reconexão. Ele carrega as marcas das escolhas diárias, expressa as emoções que nem sempre verbalizamos e responde ao ambiente de formas que frequentemente ignoramos. Estar atento às sensações corporais sem julgá-las ou tentar controlá-las imediatamente pode abrir uma porta para a autopercepção e o equilíbrio. Pequenos gestos de consciência corporal, como observar a respiração ou prestar atenção à postura, são mais do que práticas triviais; são convites para habitar o próprio ser com maior presença.


Esse retorno à sensibilidade corporal não é apenas uma questão de bem-estar individual, mas um gesto de resistência frente à cultura que privilegia o externo em detrimento do interno. Reconectar-se ao eu interior implica resgatar o espaço interno como um lugar legítimo de morada, onde os ritmos próprios do corpo e da mente podem ser escutados e honrados. Isso exige coragem, pois significa desacelerar em um mundo que glorifica a velocidade, e implica estar disposto a confrontar o que foi negligenciado sejam dores emocionais, conflitos internos ou necessidades há muito reprimidas.


No entanto, a reconexão não precisa ser um projeto grandioso ou idealizado. Ela pode começar com atos simples: uma pausa para respirar profundamente antes de responder a uma mensagem; um momento para perceber o peso do próprio corpo contra a cadeira ao final de um dia; ou a escolha de estar presente durante uma conversa, sem dividir a atenção com um dispositivo eletrônico. Essas práticas cotidianas, por mais sutis que pareçam, têm o potencial de reorganizar a relação consigo mesmo, promovendo um senso de inteireza que muitas vezes falta na vida moderna.


Embora os desafios sejam numerosos, o processo de reconexão com o eu interior não é apenas possível, mas profundamente necessário. Ele nos lembra que, apesar das pressões externas e da fragmentação imposta pela modernidade, ainda existe um núcleo essencial que pode ser acessado. Esse núcleo não está em outro lugar, mas no presente na experiência do agora, no corpo que sentimos e nos gestos que, mesmo em sua simplicidade, carregam o potencial de transformar a maneira como nos relacionamos com o mundo e conosco mesmos.


tag: vida moderna desconexão

Site criado e administrado por: Ana Luiza Faria | Ponto Psi
Since: ©2022

bottom of page