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O que a neurociência revela sobre a conexão entre sono e saúde mental

  • Foto do escritor: Ana Luiza Faria
    Ana Luiza Faria
  • 28 de abr.
  • 4 min de leitura

Por Ana Luiza Faria

O que a neurociência revela sobre a conexão entre sono e saúde mental

Em um mundo que valoriza a produtividade acima do equilíbrio, dormir tem se tornado um luxo e o preço disso tem sido cobrado da nossa saúde mental. Nunca se dormiu tão mal na história moderna e, como consequência, transtornos como ansiedade, depressão e burnout têm se tornado cada vez mais comuns. A neurociência tem revelado, de forma cada vez mais clara, que a qualidade do sono é um pilar fundamental para o equilíbrio emocional e o bem-estar mental.


Embora o sono seja um fenômeno biológico essencial, a sua importância para a saúde mental muitas vezes é subestimada. Estudos recentes apontam que a privação de sono não só prejudica a função física do corpo, mas também afeta profundamente o cérebro, desestruturando os processos emocionais e o funcionamento de áreas responsáveis pela regulação do humor e a tomada de decisões. Segundo o neurocientista Matthew Walker, a privação do sono aumenta a atividade da amígdala a região cerebral responsável pelo processamento de emoções intensas como medo e raiva ao mesmo tempo que diminui a comunicação com o córtex pré-frontal, a área que nos ajuda a pensar racionalmente e controlar as respostas impulsivas. Isso torna o cérebro mais suscetível à reatividade emocional e à ansiedade (Walker, 2017).


Além disso, a falta de sono está fortemente associada ao aumento do risco de depressão. Pesquisas publicadas na revista Sleep mostram que pessoas que sofrem de distúrbios do sono têm o dobro da probabilidade de desenvolver episódios depressivos, comparado àquelas que mantêm uma rotina de sono saudável. O impacto do sono na saúde mental vai além da simples falta de descanso: a qualidade do sono e o modo como ele afeta o processamento emocional são elementos cruciais. Quando dormimos, especialmente durante o sono REM (Rapid Eye Movement), o cérebro revisita experiências emocionais, ajudando a processá-las e a reduzir a carga emocional negativa associada a elas. Esse processo de "terapia noturna" é vital para manter o equilíbrio emocional. Quando o sono é interrompido ou insuficiente, o processamento dessas emoções fica comprometido, fazendo com que sentimentos como tristeza ou raiva sejam amplificados.


A relação entre sono e memória emocional também é estreita. Durante a noite, o cérebro organiza as experiências vividas ao longo do dia, ajudando a integrar memórias e emoções de forma mais equilibrada. A falta de sono prejudica essa reorganização, o que pode resultar em uma memória emocional mais distorcida e difícil de lidar. Isso contribui para o agravamento de transtornos como a ansiedade, onde a percepção de eventos e sentimentos pode se tornar desproporcionalmente intensa. Em um estudo conduzido pela Universidade de Berkeley, foi observado que indivíduos privados de sono têm mais dificuldade em controlar suas reações emocionais e tendem a amplificar sensações negativas, o que reforça o ciclo de estresse e sofrimento emocional (Walker et al., 2009).


Quando o sono é constantemente negligenciado, as consequências para o cérebro são ainda mais graves. A privação crônica de sono altera profundamente a estrutura e o funcionamento do cérebro. A neuroimagem tem mostrado que, quando uma pessoa está privada de sono, a amígdala se torna excessivamente ativa, enquanto o córtex pré-frontal — a área responsável por funções como julgamento e tomada de decisões — fica prejudicado. Esse desequilíbrio torna o cérebro mais vulnerável a estados emocionais intensos e menos capaz de lidar com os desafios do dia a dia. A redução do volume do hipocampo, área responsável pela formação de memórias e pelo processamento de experiências emocionais, também tem sido observada em indivíduos com distúrbios do sono, o que reforça o impacto negativo da privação de sono na saúde mental (Krause et al., 2017).


Felizmente, a neurociência também nos oferece soluções baseadas em comportamentos simples, mas poderosos, que podem restaurar a qualidade do sono e melhorar a saúde mental. A primeira e mais eficaz dessas soluções é a adoção de uma rotina regular de sono, com horários consistentes para dormir e acordar. Isso ajuda a sincronizar o ritmo circadiano e a reforçar a qualidade do sono. Estudos demonstram que a irregularidade nos horários de sono está associada a um risco maior de transtornos como a depressão. Além disso, a exposição à luz natural pela manhã, a redução da luz artificial à noite e a eliminação de substâncias como cafeína e álcool nas horas que antecedem o sono também são medidas eficazes para melhorar a qualidade do descanso.


Estudos também mostram que a prática de criar um ambiente relaxante antes de dormir, com atividades que ajudem a desacelerar, como leitura ou banhos mornos, favorece um sono mais reparador. Essas práticas ajudam o cérebro a transitar do estado de alerta para o descanso necessário para a recuperação mental e emocional. Embora simples, essas mudanças de comportamento têm um impacto profundo, não só na qualidade do sono, mas também no funcionamento do cérebro, auxiliando na regulação das emoções e na redução do risco de transtornos como ansiedade e depressão.


O sono deve ser visto como um remédio esquecido, um aliado poderoso na prevenção e no tratamento de muitos distúrbios emocionais. Em tempos de hiperconexão, dormir bem é um ato de resistência ao estresse cotidiano. A qualidade do sono não deve ser negligenciada, pois ela afeta diretamente nossa saúde mental, emocional e cognitiva. Cuidar do sono é, portanto, cuidar da mente. E esse é um gesto de respeito não apenas pelo corpo, mas pela própria vida.



Leitura complementar sugerida:

Walker, M. (2017). Por que nós dormimos: A nova ciência do sono e do sonho. Objetiva.


Krause, A. J., Simon, E. B., Mander, B. A., et al. (2017). The sleep-deprived human brain. Nature Reviews Neuroscience, 18(7), 404–418.

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