Como a neuroplasticidade transforma hábitos depois dos 40 anos: o que a ciência tem mostrado e como aplicar na sua rotina
- Ana Luiza Faria
- 17 de jul.
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Por Ana Luiza Faria

Mudar hábitos depois dos 40 anos costuma parecer mais difícil. Não é raro ouvir pessoas dizendo que já tentaram, por exemplo, acordar mais cedo, se alimentar melhor ou evitar reações impulsivas, mas acabam voltando aos velhos padrões. Às vezes, nem é por falta de vontade. A sensação é de que, com o tempo, certas rotinas e comportamentos ficam tão enraizados que mexer neles exige uma energia que parece maior do que se tem. Isso gera frustração, e com ela vem a ideia de que talvez a mudança já não seja mais tão possível quanto antes.
Essa percepção é compreensível, mas não está de acordo com o que a ciência hoje nos mostra. Pesquisas recentes na área da neurociência revelam que o cérebro humano continua capaz de aprender, se reorganizar e criar novas conexões ao longo de toda a vida. Esse processo recebe o nome de neuroplasticidade a capacidade que o cérebro tem de se adaptar, mesmo depois de adulto. E o mais interessante é que ela não apenas continua ativa após os 40 anos, como pode ser estimulada com atitudes simples, consistentes e intencionais.
Durante muito tempo, acreditou-se que o cérebro perdia plasticidade com o passar dos anos, tornando-se menos flexível e mais “fixo”. Essa ideia foi sendo revista a partir de estudos que acompanharam adultos ao longo do tempo, observando como suas rotinas, emoções e experiências eram capazes de transformar não apenas pensamentos e comportamentos, mas a própria estrutura cerebral. Um desses estudos, publicado na Nature Reviews Neuroscience em 2021, analisou evidências de diversas pesquisas e concluiu que a capacidade de mudança cerebral permanece significativa na vida adulta inclusive em pessoas com mais de 60 anos.
É verdade que, na infância, o cérebro se molda com mais facilidade. Mas na fase adulta, ainda que o processo seja mais seletivo, ele continua ativo. O que muda é o caminho. Depois dos 40, o cérebro precisa de mais repetição, mais atenção focada e mais envolvimento emocional para consolidar um novo hábito. Isso porque, com o tempo, o cérebro tende a otimizar suas rotas, economizando energia em padrões já conhecidos. Se uma rotina antiga é constantemente repetida, ela se fortalece. Para transformá-la, é preciso construir uma nova trilha e isso leva tempo e constância.
Esse ponto ajuda a entender por que tentativas rápidas de mudança nem sempre funcionam. Adotar uma nova prática por alguns dias, sem clareza do motivo e sem se sentir realmente envolvido com aquilo, raramente leva a resultados duradouros. A plasticidade cerebral está ligada a como o cérebro percebe a relevância do que está sendo feito. Quando uma atividade é vista como significativa, quando gera algum tipo de satisfação ou faz sentido dentro de um propósito maior, o cérebro tende a registrá-la com mais força.
Um estudo realizado por pesquisadores de Harvard e publicado em 2022 no Frontiers in Human Neuroscience mostrou que adultos entre 40 e 60 anos que se dedicaram a aprender uma nova língua por oito semanas tiveram mudanças observáveis na estrutura cerebral. O mais interessante foi que os participantes que relatavam mais motivação pessoal como aprender por prazer ou por desejo de conexão com outras culturas apresentaram maior desenvolvimento em áreas ligadas à memória e ao foco. Isso reforça uma ideia importante: o cérebro adulto muda mais facilmente quando existe envolvimento emocional com a prática.
Outro fator que influencia diretamente na neuroplasticidade é o sono. A consolidação de novos aprendizados acontece, em grande parte, enquanto dormimos especialmente durante as fases mais profundas do sono. Com o avanço da idade, essas fases tendem a se tornar mais curtas e fragmentadas, o que pode dificultar a fixação de novos hábitos. Pesquisadores da Universidade de Berkeley têm investigado como a qualidade do sono interfere na capacidade de aprender e mudar, mostrando que noites mal dormidas podem reduzir significativamente a eficácia de qualquer processo de mudança comportamental.
A prática de atividade física também tem impacto direto na plasticidade cerebral. Um estudo publicado em 2023 na Proceedings of the National Academy of Sciences acompanhou adultos na faixa dos 40 a 60 anos e concluiu que a caminhada regular estava associada a níveis mais altos de BDNF, uma proteína essencial para a saúde dos neurônios e para a formação de novas conexões cerebrais. Ou seja, cuidar do corpo e do sono são partes fundamentais de qualquer tentativa real de mudar o que se faz ou como se pensa no dia a dia.
É comum imaginar que a repetição é o único caminho para a mudança. Mas o cérebro adulto também responde bem à variedade e à novidade. Contextos previsíveis e rotinas excessivamente estáveis podem reduzir o estímulo à adaptação neural. Por isso, explorar atividades diferentes, aprender algo novo, sair da zona de conforto de forma leve e progressiva são atitudes que fortalecem a capacidade de transformação. Isso vale tanto para mudanças comportamentais quanto para aspectos mais subjetivos, como flexibilizar crenças rígidas ou adotar novas formas de lidar com o cotidiano.
Uma descoberta recente, que vem chamando atenção na comunidade científica, é que o senso de propósito influencia diretamente na plasticidade cerebral. Em outras palavras, quando sentimos que algo tem valor, que estamos fazendo por um motivo que nos importa de verdade, o cérebro responde com mais abertura à mudança. Essa relação foi observada em estudos que associam envolvimento pessoal com alterações em áreas cerebrais relacionadas ao planejamento, tomada de decisão e regulação emocional.
É importante lembrar que mudar não significa virar outra pessoa. A ideia de transformação não precisa ser radical para ser válida. Muitas vezes, pequenos ajustes na rotina como incluir uma caminhada, reduzir o tempo nas redes sociais, prestar mais atenção ao que se come ou se permitir cinco minutos de silêncio por dia já provocam efeitos perceptíveis. E esses efeitos não são só comportamentais: eles refletem alterações reais na forma como o cérebro funciona.
Muitas pessoas acreditam que, depois de certa idade, a tendência é apenas conservar o que já se tem. Mas o cérebro adulto não é estático ele continua se moldando conforme o que vivemos, sentimos e escolhemos. A questão não é se ainda é possível mudar, mas sim como facilitar esse processo. E aqui vão algumas sugestões práticas, baseadas nas evidências mais recentes da neurociência:
Defina um motivo que seja importante para você: A mudança tem mais chance de acontecer quando está conectada com algo que você valoriza. Pergunte-se: por que isso importa?
Crie uma rotina que ajude seu cérebro a consolidar o novo: Estabeleça um horário regular para dormir, evite estímulos intensos antes de dormir e reduza a fragmentação do seu sono.
Movimente-se com constância: Caminhadas leves, três vezes por semana, já são suficientes para estimular substâncias que favorecem a formação de novas conexões cerebrais.
Evite fazer tudo ao mesmo tempo: O cérebro precisa de foco para aprender algo novo. Tente reduzir a multitarefa e dar atenção plena ao que está praticando.
Explore atividades novas, mesmo que simples: Aprender algo diferente, como cozinhar um prato novo ou experimentar uma leitura fora do comum, já ativa circuitos neurais importantes.
Seja gentil com o processo: Mudanças cerebrais não acontecem do dia para a noite. A consistência é mais importante que a intensidade.
Mudar depois dos 40 não exige esforço heróico. Exige presença, escolha consciente e um pouco de paciência. O cérebro está pronto para mudar, mesmo que em um ritmo mais maduro. Ele apenas precisa de razões que façam sentido, estímulos consistentes e um ambiente que convide ao crescimento. A neuroplasticidade não se encerra com o tempo ela apenas espera ser despertada de forma cuidadosa. E isso está ao alcance de qualquer pessoa, em qualquer fase da vida.
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