O impacto do consumo de notícias negativas "doomscrolling" na saúde mental
- Ana Luiza Faria
- 15 de dez. de 2024
- 3 min de leitura
Por Ana Luiza Faria

Vivemos em um mundo saturado de informações. A todo momento, notificações surgem nas telas, carregando manchetes que frequentemente destacam tragédias, crises sociais e incertezas globais. Esse cenário favorece o chamado doomscrolling, um comportamento compulsivo em que rolamos incessantemente as telas em busca de mais informações, quase sempre negativas. Embora possa parecer uma tentativa legítima de se manter informado, essa prática carrega consequências significativas para a saúde mental e física, muitas vezes despercebidas.
Ao consumirmos constantemente notícias negativas, o impacto não se restringe ao campo mental. Nosso corpo reage diretamente a esse conteúdo, entrando em um estado de alerta constante. A exposição repetida a informações alarmantes ativa o sistema de resposta ao estresse, desencadeando alterações como o aumento da frequência cardíaca, contrações musculares involuntárias e mudanças na respiração. Essas respostas não são meras reações automáticas; elas criam padrões emocionais e corporais que moldam nossa postura, percepção e interação com o mundo.
No doomscrolling, a busca incessante por novas informações aciona os circuitos de recompensa do cérebro. A cada nova atualização, mesmo que carregada de angústia, o cérebro libera pequenas doses de dopamina, criando um ciclo paradoxal: o desconforto gerado pelas notícias leva à busca por mais conteúdo, reforçando a sensação de ansiedade e a dependência da repetição. Com o tempo, essa dinâmica intensifica os níveis de estresse, potencializando impactos duradouros no bem-estar mental e físico.
O consumo constante de notícias negativas também pode ter implicações epigenéticas. Estudos indicam que o estresse crônico altera a expressão dos genes, aumentando a vulnerabilidade a inflamações, problemas imunológicos e envelhecimento precoce. Essas mudanças biológicas não são isoladas, mas se manifestam em aspectos da saúde que vão desde distúrbios de sono até transtornos de humor, como ansiedade e depressão.
Para além do impacto fisiológico, há também um efeito mais sutil e profundo: a maneira como percebemos e nos relacionamos com o mundo é diretamente influenciada pelo que consumimos. Notícias negativas não apenas informam, mas modelam nossa compreensão da realidade. Com o tempo, podem criar uma visão mais pessimista e limitada da vida, dificultando a capacidade de encontrar significado, esperança ou possibilidades de ação.
Reconhecer os efeitos do consumo de notícias negativas no corpo e na mente é um passo essencial para romper esse ciclo. Observar conscientemente como o corpo reage a cada notícia — se a respiração se altera, se há tensão nos ombros ou aperto no peito — pode revelar como estamos internalizando essas informações. Essa atenção não é apenas uma prática de cuidado, mas também uma forma de identificar e reorganizar padrões emocionais e físicos que perpetuam o estresse.
Práticas simples podem ajudar a mitigar os impactos desse consumo constante. Estabelecer limites claros para o acesso às notícias, como horários definidos para se informar, permite que o sistema nervoso encontre intervalos de descanso. Criar momentos de pausa, como respirar profundamente ou caminhar ao ar livre, ajuda o corpo a recuperar seu equilíbrio natural. Além disso, refletir sobre a qualidade e a intenção das informações consumidas — perguntando-se se elas realmente agregam algo significativo — pode auxiliar na construção de uma relação mais saudável com a informação.
Embora as soluções práticas ofereçam alívio, o desafio maior está em cultivar uma percepção mais ampla e consciente do impacto das notícias negativas na saúde mental e no bem-estar. Essa consciência é o ponto de partida para recuperar a capacidade de navegar pelo mundo de forma mais equilibrada, sem ser arrastado pelo fluxo incessante de informações.
O consumo de notícias é inevitável, mas a forma como nos relacionamos com elas é uma escolha. Ao adotar uma postura mais atenta e criteriosa, podemos transformar essa relação, protegendo nossa saúde mental e física enquanto buscamos um entendimento mais profundo e humano sobre o mundo ao nosso redor.
Tags: notícias negativas doomscrolling