O papel da neuroplasticidade na superação de traumas
- Ana Luiza Faria
- 30 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 2 de dez. de 2024
Por Ana Luiza Faria

Ao longo da vida, passamos por experiências diversas, algumas positivas e outras mais desafiadoras. Situações de trauma, em especial, podem ter um impacto duradouro na forma como pensamos, reagimos e nos relacionamos com o mundo. No entanto, a ciência tem demonstrado que, graças à neuroplasticidade, o cérebro possui uma capacidade incrível de adaptação e recuperação, o que abre possibilidades reais para a superação dos traumas. Neste artigo, vamos explorar como a neuroplasticidade atua nesse processo de superação e o que isso significa para quem busca superar experiências traumáticas.
A neuroplasticidade, de forma simples, é a capacidade do cérebro de se reorganizar e criar novas conexões ao longo da vida. Diferente do que se acreditava no passado, o cérebro não é estático e não para de se desenvolver na idade adulta. Ele é maleável, flexível e se adapta constantemente de acordo com nossas vivências e aprendizagens. Essa habilidade do cérebro de formar novas conexões neurais é o que possibilita mudanças profundas nos nossos padrões de pensamento, emoções e comportamentos, o que pode ser essencial para quem viveu um trauma.
O trauma psicológico ocorre quando passamos por eventos tão intensos que nos deixam marcados emocionalmente e, muitas vezes, fisicamente. Eventos como acidentes, perdas, abusos e violência podem causar mudanças no funcionamento cerebral, afetando estruturas responsáveis pela resposta ao estresse e pela regulação emocional, como a amígdala e o hipocampo. A amígdala, por exemplo, tende a se tornar mais reativa após um trauma, gerando uma sensação de constante alerta e uma resposta exagerada ao estresse. Já o hipocampo, uma região essencial para a memória e a contextualização das experiências, pode ter seu volume reduzido devido à exposição prolongada ao estresse, o que explica porque algumas pessoas têm dificuldades em lembrar de detalhes de eventos traumáticos ou em separá-los de outras experiências do cotidiano. Porém, apesar desse impacto direto no cérebro, a neuroplasticidade nos oferece uma perspectiva positiva: ela nos mostra que é possível reorganizar essas conexões e restabelecer o equilíbrio emocional por meio de estímulos adequados e práticas terapêuticas.
Para entender como a neuroplasticidade auxilia na superação dos traumas, é útil considerar como o cérebro responde a novas experiências e práticas. Quando alguém vivencia uma experiência positiva ou aprende uma nova maneira de lidar com lembranças dolorosas, o cérebro é “treinado” a formar caminhos alternativos para interpretar e reagir a essas lembranças. Com o tempo, essas novas conexões substituem os padrões reativos e os circuitos associados ao trauma, o que contribui para uma maior resiliência e estabilidade emocional. Em um estudo recente, adultos que haviam vivenciado traumas foram expostos a um treinamento regular de autorreflexão e reconhecimento de emoções. O treinamento não envolvia forçar a mudança de sentimentos, mas sim criar uma nova perspectiva sobre as emoções, permitindo que os participantes pudessem examinar suas memórias sem o mesmo grau de medo e desconforto. Após algumas semanas, exames de ressonância magnética demonstraram mudanças na atividade do córtex pré-frontal, uma área do cérebro associada ao controle dos impulsos e à regulação emocional. O estudo observou que os participantes conseguiram reduzir a ativação da amígdala e fortaleceram conexões no córtex pré-frontal, indicando uma maior capacidade de gerenciar as memórias traumáticas sem serem dominados por elas. Este é um exemplo de como a neuroplasticidade pode auxiliar no processo de reorganização das memórias traumáticas, promovendo maior serenidade.
A neuroplasticidade é estimulada por práticas específicas que criam condições para o cérebro se adaptar. Algumas estratégias que contribuem diretamente para fortalecer essas conexões de forma terapêutica incluem a exposição gradual e controlada ao trauma, o controle da respiração e práticas de relaxamento e reestruturação de crenças associadas ao trauma. Revisitar memórias traumáticas de forma gradual e controlada ajuda o cérebro a reavaliar essas lembranças em um contexto seguro, diminuindo a resposta de alerta e ativação da amígdala. Esta prática permite que novas associações e memórias substituam as antigas, promovendo uma sensação de segurança e alívio. O controle da respiração e práticas de relaxamento, por sua vez, podem ajudar a diminuir a hiperatividade da amígdala e reduzir a ansiedade. Ao praticar essas técnicas regularmente, o cérebro aprende a responder ao estresse de uma maneira mais equilibrada e menos reativa. A reestruturação cognitiva envolve reconhecer e reformular pensamentos disfuncionais, criando novos caminhos que reduzem o impacto emocional de lembranças traumáticas. Ao praticar a identificação de crenças associadas ao trauma e substituí-las por perspectivas mais saudáveis, o cérebro cria novos caminhos que reduzem o impacto emocional de lembranças traumáticas.
Em outro exemplo, um grupo de veteranos de guerra que sofreu de estresse pós-traumático participou de sessões onde eram encorajados a criar pequenas interações sociais seguras e positivas. Esse processo permitiu aos veteranos se reintegrar gradualmente a ambientes sociais que antes desencadeavam medo e ansiedade. Os exames indicaram mudanças na conectividade cerebral, com um aumento na atividade do córtex pré-frontal e uma redução na resposta da amígdala. Esse caso ilustra como a neuroplasticidade possibilita uma recuperação que, ao reforçar experiências de segurança, ajuda o cérebro a "aprender" novas respostas diante de situações que antes seriam ameaçadoras.
A neuroplasticidade mostra que, mesmo após eventos traumáticos, o cérebro possui uma capacidade regenerativa que nos permite superar dificuldades e construir uma vida emocionalmente saudável. A reorganização das conexões neurais associadas ao trauma depende de estímulos específicos, que podem incluir o contato com novas experiências positivas e a prática de estratégias que promovam o bem-estar. Embora o processo de superação do trauma seja único para cada pessoa, a neuroplasticidade é uma aliada fundamental para reverter os efeitos de situações dolorosas e abrir caminho para a recuperação. Isso nos lembra que, mesmo em meio às dificuldades, o cérebro é capaz de criar novas possibilidades de vida e de ressignificação, oferecendo uma perspectiva encorajadora para aqueles que buscam a cura.


