Quando o cuidado com o outro ocupa todo o espaço
- Ana Luiza Faria
- 28 de jul.
- 2 min de leitura
Por Ana Luiza Faria

Há gestos que parecem amor, mas carregam um cansaço silencioso. Cuidar pode ser um ato nobre, necessário, mas também pode se transformar em um lugar onde nos perdemos de nós mesmos. Quando o cuidado com os outros ocupa todo o espaço, é como se a casa interna ficasse sem móveis, sem cor, sem janelas abertas para o que sentimos.
Muitos aprendem desde cedo que é bonito se doar. E é mesmo. Mas há uma linha tênue entre oferecer presença e se abandonar. Quando toda a energia é dirigida para acolher o outro — o parceiro, os filhos, os amigos, a família —, frequentemente resta pouco ou nada para si. O tempo pessoal vira sobra. As vontades, pequenas concessões. A escuta de si, uma ausência rotineira.
Esse movimento é muitas vezes invisível até para quem vive. O autocuidado se disfarça de egoísmo. A pausa, de negligência. O "não" engasga porque parece duro demais. E então o corpo começa a falar: cansaço persistente, insônia, ansiedade, irritação sem motivo claro. O esgotamento não surge de repente — ele se constrói lentamente, como uma casa de cartas que vai cedendo.
Há também a idealização do cuidado: a ideia de que quem ama suporta tudo, aguenta firme, está sempre disponível. Esse modelo nos engessa. Afinal, amor também é limite, é reconhecimento de que para oferecer algo verdadeiro ao outro, é preciso, antes, habitar-se.
É comum escutar frases como "mas eu faço tudo por eles" ou "sem mim, isso aqui desmorona". E pode ser verdade. Mas a pergunta que raramente se faz é: quem cuida de você? E mais do que isso: você se permite ser cuidado?
Não se trata de virar as costas para quem amamos, mas de lembrar que a nossa presença no mundo também merece espaço. Que o descanso é legítimo. Que não é necessário estar sempre disponível para ser digno de afeto. Que cuidar de si não é trair ninguém.
Reaprender a se escutar pode ser desconfortável no início. Requer coragem para dizer não, para sair do lugar que sustenta tudo e todos. Mas esse deslocamento pode abrir caminhos mais honestos, onde o cuidado é partilhado e não unilateral. Onde o afeto é sustentado por trocas reais, e não por sobrecarga.
Você pode continuar sendo apoio — mas sem se apagar. Pode amar — e ainda assim precisar de silêncio. Pode estar presente — e também descansar. Há espaço para o outro, mas também precisa haver espaço para você. Porque quando o cuidado vira prisão, ele deixa de ser amor e vira adoecimento.
Talvez seja hora de reorganizar a casa. Não para expulsar ninguém, mas para abrir uma janela. E lembrar que seu corpo, sua escuta e sua história também merecem morada.