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Sair do vermelho: Entre o buraco financeiro e o movimento pulsional

  • Foto do escritor: Ana Luiza Faria
    Ana Luiza Faria
  • há 3 dias
  • 3 min de leitura

Por Ana Luiza Faria

Mulher contemplativa com flores e folhas secas representando o movimento pulsional e o equilíbrio financeiro
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Há momentos em que a vida parece se concentrar em uma única pergunta silenciosa: como cheguei até aqui? O desequilíbrio das contas, a sensação de que nada rende e que o futuro ficou pequeno demais criam uma tensão constante entre o que se deseja e o que se consegue sustentar. Esse conflito não nasce apenas de números ou planilhas; ele se alimenta de impulsos que tentam aliviar desconfortos mais profundos. Quando o dinheiro escapa pelas bordas, muitas vezes é a expressão de uma dinâmica interna que também transborda. O que chamamos de descontrole pode ser, na verdade, um pedido de atenção a algo que se movimenta por dentro e busca resposta.


A pulsão, em seu sentido mais direto, é um empurrão interno que procura descarga. Ela não negocia, não avalia consequências e raramente espera. Diante de pressões emocionais, ela tende a buscar saídas rápidas: compras por impulso, adiamentos, tentativas de anestesiar desconfortos imediatos. E, embora pareça contraditório, quanto mais o cenário financeiro aperta, mais essas descargas podem ocorrer como tentativas de produzir alívio instantâneo. É um movimento que escapa da lógica e que, muitas vezes, tenta preencher vazios que não têm relação direta com dinheiro, mas encontram no dinheiro um caminho para se expressar.


O buraco financeiro costuma ganhar profundidade quando a pulsão assume o volante e a consciência fica em segundo plano. Não porque falte conhecimento, organização ou boa vontade, mas porque existe uma força interna que pede satisfação imediata. Essa força não busca futuro; ela busca agora. E o agora, quando dominado pela angústia, tende a criar atalhos caros. Nessas horas, olhar apenas para a planilha não resolve. É preciso reconhecer o impacto desses movimentos internos, porque é neles que se encontra a origem de grande parte dos padrões que repetimos sem perceber. Entrar em contato com esses impulsos não significa reprimi-los, mas entendê-los para que possam ganhar direção e não apenas descarga.


Há um ponto decisivo nesse caminho: perceber que reorganizar a vida financeira não é apenas ajustar comportamentos, mas ajustar sentidos. Quando alguém começa a observar as próprias motivações, medos e expectativas, surge um espaço de escolha que antes não existia. A pulsão não desaparece, mas deixa de comandar sozinha. Ela pode ser reconhecida, nomeada e atravessada sem que cada desconforto gere uma ação automática. Esse movimento interno transforma a relação com o dinheiro, não porque cria uma disciplina artificial, mas porque devolve clareza. E a clareza, nesse contexto, é mais valiosa do que qualquer técnica isolada.


Chegar ao equilíbrio não é um feito repentino; é um processo que envolve atenção constante aos próprios limites e desejos. A saída do vermelho, então, vai além da matemática. Ela passa por compreender o que cada gasto tenta resolver, o que cada adiamento tenta evitar e qual sensação tenta encontrar uma rota mais rápida para escapar. Quando esse diálogo se estabelece, a vida deixa de ser guiada pelo impulso cego e começa a se organizar a partir de escolhas mais alinhadas com o que realmente importa. Nesse ponto, o caminho deixa de ser apenas uma tentativa de “arrumar as finanças” e se torna uma forma de ampliar consciência sobre o próprio modo de existir no mundo inclusive na relação com o dinheiro.


Referencias bibliográficas:

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