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A influência do microbioma intestinal no humor: o que a ciência já sabe e o que você pode aplicar

  • Foto do escritor: Ana Luiza Faria
    Ana Luiza Faria
  • 24 de jul.
  • 5 min de leitura

Por Ana Luiza Faria

Colagem surrealista representando a conexão entre o intestino e o cérebro por meio de elementos simbólicos como relógios derretendo, plantas neurais e um fundo de papel amassado
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É comum sentir-se mais irritado, ansioso ou desmotivado após dias seguidos de má alimentação, pouco sono e excesso de estresse. Para muitas pessoas, esses estados emocionais parecem surgir sem um motivo claro, como se o humor oscilasse por fatores invisíveis. No entanto, a ciência vem revelando uma conexão poderosa entre o que acontece no intestino e o que sentimos e essa conexão é mais concreta do que se imaginava há apenas uma década.


O microbioma intestinal, composto por trilhões de microrganismos que habitam o trato gastrointestinal, tem ganhado destaque em estudos científicos que investigam sua influência direta sobre o funcionamento do cérebro e o equilíbrio emocional. Essa comunidade microbiana não atua apenas na digestão ou no sistema imunológico: ela se comunica com o sistema nervoso central por meio do chamado eixo intestino-cérebro. Essa via bidirecional envolve sinais neuroquímicos, hormonais e imunológicos, tornando o intestino uma peça-chave na regulação do humor.


Em um estudo publicado na revista Nature Microbiology em 2019, pesquisadores identificaram que certos tipos de bactérias intestinais são capazes de produzir neurotransmissores como serotonina, dopamina e ácido gama-aminobutírico (GABA), todos diretamente envolvidos na regulação emocional. A descoberta de que aproximadamente 90% da serotonina um neurotransmissor associado à sensação de bem-estar é produzida no intestino, e não no cérebro, já havia desafiado antigas premissas da neurociência. Agora, sabe-se que o desequilíbrio da microbiota, conhecido como disbiose, pode interferir significativamente na disponibilidade desses neurotransmissores, afetando o estado emocional.


Além disso, um estudo publicado em 2022 no periódico Cell Host & Microbe demonstrou que a diversidade do microbioma está associada a menores níveis de sintomas depressivos. Pessoas com microbiotas mais variadas apresentaram maior estabilidade emocional e menor incidência de quadros ansiosos. A explicação envolve tanto a modulação inflamatória quanto a produção de metabólitos neuroativos que interferem diretamente na função cerebral. Isso significa que não se trata apenas de ter uma alimentação equilibrada, mas de cultivar uma diversidade microbiana que seja favorável ao equilíbrio do organismo como um todo.


O papel da alimentação nesse processo é central. Dietas ricas em fibras, vegetais, grãos integrais e alimentos fermentados favorecem o crescimento de bactérias benéficas. Já dietas ultraprocessadas, ricas em açúcares simples, gorduras trans e aditivos químicos, tendem a reduzir a diversidade bacteriana e aumentar a inflamação sistêmica, o que pode afetar negativamente a saúde mental. O curioso é que essas mudanças não são perceptíveis de imediato. Alguém pode passar anos se alimentando mal e experimentando oscilações emocionais sem desconfiar de que o intestino é parte do problema.


Uma das perguntas mais comuns sobre o tema é: se o humor está relacionado ao intestino, então é possível tratar quadros depressivos ou ansiosos apenas com mudanças alimentares? A resposta ainda está em construção, mas evidências recentes apontam que intervenções no microbioma podem sim contribuir para o alívio de sintomas emocionais, especialmente como estratégia complementar.


Um exemplo disso vem de um ensaio clínico randomizado publicado em 2023 no Journal of Psychiatric Research, que avaliou o uso de probióticos em adultos com sintomas leves a moderados de depressão. Os participantes que consumiram um mix específico de cepas probióticas por oito semanas relataram melhora significativa no humor em comparação ao grupo placebo. Embora o efeito não substitua abordagens tradicionais como psicoterapia ou uso de antidepressivos, ele reforça a ideia de que o intestino precisa ser considerado na equação emocional.


Outro aspecto importante e pouco discutido é o impacto do estresse crônico sobre o microbioma. O estresse ativa o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, liberando cortisol em níveis elevados, o que afeta diretamente a integridade da barreira intestinal e a composição da microbiota. Essa alteração pode levar a um ciclo vicioso: o estresse prejudica o microbioma, que por sua vez intensifica os efeitos do estresse no cérebro, criando um ambiente propício à instabilidade emocional.


Na prática, é possível observar esses efeitos em situações cotidianas. Mudanças bruscas na rotina alimentar, como jejum prolongado sem acompanhamento adequado ou consumo excessivo de fast food, podem gerar desconfortos digestivos e alterações no humor em questão de dias. Da mesma forma, a introdução gradual de alimentos fermentados como iogurte natural, kefir ou chucrute pode contribuir para uma sensação subjetiva de maior bem-estar, energia e clareza mental.


Entre as descobertas mais recentes, destaca-se o uso de transplante de microbiota fecal (TMF) como ferramenta terapêutica experimental para quadros psiquiátricos. Embora a prática ainda esteja em fase de estudos e não seja indicada amplamente, pesquisas conduzidas por instituições como a Universidade de Harvard e a Universidade da Califórnia têm mostrado resultados promissores. Em modelos animais, ratos que receberam microbiota de indivíduos com depressão passaram a apresentar comportamentos semelhantes aos dos doadores, indicando uma transferência de características emocionais mediada pela microbiota.


Essa linha de pesquisa ainda enfrenta desafios éticos e metodológicos, mas reforça a complexidade e profundidade da relação entre o microbioma intestinal e a saúde emocional. O corpo humano, ao contrário da visão compartimentalizada de décadas anteriores, opera como um sistema interdependente, no qual o intestino tem papel ativo no processamento emocional, cognitivo e comportamental.


Diante de tantas evidências, surge outra questão comum: é necessário fazer suplementação com probióticos para manter um microbioma saudável? Nem sempre. A melhor forma de nutrir a microbiota é por meio da alimentação variada e rica em fibras prebióticas, que alimentam as bactérias benéficas já existentes no intestino. Alimentos como banana verde, alho, cebola, aveia, aspargos e alcachofra são exemplos acessíveis de fontes naturais de prebióticos. Já os probióticos devem ser considerados como um recurso pontual, preferencialmente com orientação profissional, pois nem todas as cepas são iguais e seus efeitos variam conforme o perfil individual.


Além da alimentação, o sono e a atividade física também modulam a composição do microbioma. Estudos têm mostrado que pessoas que dormem mal ou vivem em constante sedentarismo apresentam menor diversidade microbiana e maiores níveis de inflamação. A prática regular de exercícios aeróbicos, por outro lado, está associada a um microbioma mais resiliente e diverso, o que repercute positivamente no humor e na cognição.


Outro fator prático a ser considerado é o uso indiscriminado de antibióticos, que podem destruir tanto bactérias patogênicas quanto as benéficas, levando a desequilíbrios duradouros na flora intestinal. Sempre que possível, o uso desses medicamentos deve ser feito com critério e acompanhamento profissional, especialmente em contextos não emergenciais.


Portanto, cultivar um microbioma intestinal saudável não se resume a tomar cápsulas ou aderir a modismos alimentares. Trata-se de um cuidado integrado que envolve escolhas cotidianas sustentáveis. Pequenas mudanças como incluir mais vegetais crus nas refeições, reduzir alimentos ultraprocessados, dormir melhor e praticar atividade física moderada já podem fazer diferença perceptível na estabilidade emocional ao longo do tempo.


Embora a relação entre microbioma e humor ainda esteja sendo investigada em detalhes, o consenso científico atual é claro: não se pode mais ignorar o intestino ao discutir saúde mental. Cuidar do microbioma não substitui outras formas de cuidado psicológico, mas amplia as possibilidades de equilíbrio e bem-estar de maneira profunda e duradoura.


Referências bibliográficas:


Valles-Colomer, M., Falony, G., Darzi, Y., et al. (2019). The neuroactive potential of the human gut microbiota in quality of life and depression. Nature Microbiology, 4(4), 623–632.


Gaci, N., Borrel, G., Tottey, W., O'Toole, P. W., & Brugère, J.-F. (2014). Archaea and the human gut: New beginning of an old story. World Journal of Gastroenterology, 20(43), 16062–16078.


Schmidtner, A. K., Mayerhofer, M. M., et al. (2023). Effects of a multi-strain probiotic supplement on mood and cognitive performance in adults: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Journal of Psychiatric Research, 157, 125–134.


Cryan, J. F., O'Riordan, K. J., Cowan, C. S. M., et al. (2022). The Microbiota–Gut–Brain Axis. Physiological Reviews, 102(1), 59–144.

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