Regulação emocional: estratégias cognitivas e neurais que realmente funcionam
- Ana Luiza Faria
- 31 de jul.
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Por Ana Luiza Faria

Em meio a um dia comum, é fácil perceber como pequenas frustrações podem escalar rapidamente: uma mensagem não respondida, um erro no trabalho, o trânsito inesperado. Sem que se perceba, o corpo já está em alerta, a mente repete cenários catastróficos e o humor oscila sem controle. Essa espiral emocional, apesar de comum, não é inevitável. A forma como o cérebro regula as emoções é moldável e, mais importante, treinável.
A regulação emocional é um processo essencial para o bem-estar psicológico, e envolve a capacidade de monitorar, avaliar e modificar reações emocionais diante de estímulos internos e externos. Isso não significa suprimir emoções ou evitá-las, mas sim criar espaço para escolhas mais conscientes sobre como reagir. No entanto, essa habilidade não é apenas psicológica ela tem fundamentos neurológicos específicos e pode ser aprimorada por meio de estratégias cognitivas com base científica.
Estudos em neurociência têm demonstrado que certas áreas do cérebro desempenham papel central na regulação emocional, especialmente o córtex pré-frontal dorsolateral, a amígdala e o giro cingulado anterior. Em situações de estresse, por exemplo, a amígdala é ativada, gerando respostas emocionais automáticas. A regulação eficaz envolve a ativação do córtex pré-frontal, responsável por funções executivas como o planejamento e a tomada de decisões, que pode modular a reatividade da amígdala. Isso significa que regular emoções não é apenas uma questão de "força de vontade", mas de como circuitos neurais específicos são ativados.
Uma das estratégias mais estudadas e eficazes nesse campo é a reavaliação cognitiva (ou cognitive reappraisal), que consiste em reinterpretar a situação que desencadeia a emoção. Um experimento clássico de Ochsner et al. (2002) mostrou que participantes treinados para reinterpretar imagens desagradáveis como parte de um filme ou obra de arte apresentavam menor ativação da amígdala e maior atividade no córtex pré-frontal. Essa prática não exige grandes recursos, apenas um treino consciente para mudar o enquadramento mental de uma situação.
Outro estudo, de Buhle et al. (2014), realizou uma metanálise de 48 estudos sobre reavaliação cognitiva, com quase 2.000 participantes, e confirmou a eficácia dessa estratégia na redução da resposta emocional negativa. Os autores identificaram que, com prática, é possível fortalecer as conexões entre o córtex pré-frontal e a amígdala, o que torna o cérebro mais eficiente na regulação emocional com o tempo.
Além da reavaliação, há outras estratégias cognitivas com respaldo científico, como a atenção plena direcionada (mindful attention), que envolve observar a emoção com curiosidade e sem julgamento. Em um estudo publicado em Social Cognitive and Affective Neuroscience (Goldin et al., 2014), participantes que praticaram atenção plena durante oito semanas apresentaram redução significativa da reatividade da amígdala e maior engajamento do córtex pré-frontal medial especialmente em situações de crítica social ou exposição a falhas. Isso sugere que, ao invés de reagir automaticamente, é possível desenvolver um tipo de presença que suaviza a intensidade emocional.
Apesar dessas evidências, muitas pessoas ainda acreditam que controlar emoções significa reprimi-las, ou que apenas pessoas “frias” conseguem se manter calmas em momentos difíceis. Essa visão é equivocada. Supressão emocional ou seja, tentar não demonstrar ou sentir o que está acontecendo pode até parecer eficaz no curto prazo, mas está associada ao aumento da ativação simpática do sistema nervoso, maior desgaste físico e menor saúde mental a longo prazo. Estudos mostram que indivíduos que usam com frequência a supressão como estratégia tendem a relatar menos apoio social, mais sintomas de depressão e maior estresse fisiológico.
Em contraste, a regulação emocional eficaz está ligada a maior flexibilidade cognitiva, resiliência e bem-estar subjetivo. E não se trata de um talento inato, mas de uma habilidade que pode ser desenvolvida. Uma descoberta recente publicada na Nature Human Behaviour (2022) revelou que intervenções breves com treinos cognitivos específicos, realizados online, foram capazes de melhorar significativamente a regulação emocional em adultos, mesmo com poucas sessões. A plasticidade cerebral ou seja, a capacidade do cérebro de mudar suas conexões com base na experiência é um aliado importante nesse processo.
Na prática, isso significa que a maneira como se lida com uma crítica, um atraso ou uma perda pode ser treinada. Pequenas mudanças de linguagem interna como substituir pensamentos automáticos por perguntas mais neutras ("O que mais pode estar acontecendo aqui?" ou "Como eu posso responder a isso sem me machucar?") têm efeito mensurável no sistema nervoso. Essas estratégias, ainda que pareçam simples, são baseadas em reestruturação cognitiva, que tem ampla validação na literatura científica.
Outra ferramenta útil é a identificação precoce dos sinais fisiológicos de ativação emocional, como aumento da frequência cardíaca, tensão muscular e respiração curta. Reconhecer esses sinais como indicadores e não como ameaças permite intervir antes que a emoção escale. Técnicas de regulação respiratória, por exemplo, são capazes de ativar o nervo vago, responsável pela redução do estado de alerta, favorecendo o retorno ao equilíbrio emocional. Estudos demonstram que práticas de respiração lenta e ritmada (6 respirações por minuto) aumentam a variabilidade da frequência cardíaca, um marcador importante de regulação autônoma.
Um ponto pouco discutido é que nem sempre regular a emoção significa reduzi-la. Em algumas situações, intensificar sentimentos positivos pode ser uma forma eficaz de autorregulação. Esse processo, chamado de upregulation, foi estudado por Kim e Hamann (2007), que observaram que participantes que se concentraram em aspectos positivos de imagens emocionantes tiveram maior ativação em áreas associadas ao prazer e recompensa, como o núcleo accumbens, além de melhora no humor subsequente. Ou seja, a regulação não é sinônimo de neutralidade emocional, mas de escolha ativa sobre como se relacionar com os próprios estados internos.
Para implementar esses conhecimentos de forma prática no cotidiano, é possível começar por pequenos experimentos diários. Ao notar uma emoção intensa surgindo, pergunte-se: “Existe outra forma de olhar para isso?” ou “Essa emoção está me protegendo de quê?”. Registrar os gatilhos emocionais recorrentes em um diário ou aplicativo pode ajudar a mapear padrões e antecipar reações. Outra prática simples, mas potente, é reservar um tempo regular para treinar atenção plena com foco nas sensações do corpo, mesmo que por poucos minutos.
Ambientes que favorecem a segurança emocional como relações em que há espaço para expressão sem julgamento também contribuem para a regulação. O cérebro é altamente responsivo ao contexto social, e experiências de acolhimento ativam circuitos que amortecem a resposta ao estresse. Portanto, construir rotinas com pausas conscientes, alimentação regulada, sono adequado e vínculos consistentes é parte da arquitetura da regulação emocional.
Ao contrário do que se pensa, regular emoções não é suprimir o que se sente, mas criar uma ponte entre sentir e escolher. É possível transformar o funcionamento emocional do cérebro com práticas acessíveis, sustentadas por evidências, e que não exigem grandes mudanças de estilo de vida. O cérebro aprende com repetição e intenção e isso é uma excelente notícia para quem deseja sair do piloto automático emocional.
Referências bibliográficas
Ochsner, K. N., Bunge, S. A., Gross, J. J., & Gabrieli, J. D. E. (2002). Rethinking Feelings: An fMRI Study of the Cognitive Regulation of Emotion. Journal of Cognitive Neuroscience, 14(8), 1215–1229.
Buhle, J. T., Silvers, J. A., Wager, T. D., et al. (2014). Cognitive Reappraisal of Emotion: A Meta-Analysis of Human Neuroimaging Studies. Cerebral Cortex, 24(11), 2981–2990.
Goldin, P. R., Morrison, A., Jazaieri, H., Brozovich, F., Heimberg, R. G., & Gross, J. J. (2014). Group CBT versus MBSR for Social Anxiety Disorder: A Randomized Controlled Trial. Social Cognitive and Affective Neuroscience, 9(11), 1805–1813.
Kim, S. H., & Hamann, S. (2007). Neural Correlates of Positive and Negative Emotion Regulation. Journal of Cognitive Neuroscience, 19(5), 776–798.
Kral, T. R. A., et al. (2022). Brief digital training enhances emotion regulation across age groups. Nature Human Behaviour, 6, 207–219.