#03 Crônica | Viver é colecionar versões de si
- Ana Luiza Faria
- há 7 dias
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Por Ana Luiza Faria

Envelhecer não acontece de repente, como um clarão que muda tudo de uma só vez. É antes um processo quase invisível, feito de detalhes sutis que se acumulam até se tornarem inegáveis. Um fio de cabelo que insiste em ficar prateado, uma cicatriz que nunca some, o silêncio que começa a se tornar mais confortável do que certas conversas.
Há quem veja nisso uma perda, como se a juventude fosse a única fase legítima da vida. Mas talvez envelhecer seja justamente o contrário: ganhar camadas. Como uma árvore que carrega em seus anéis o registro das chuvas, das secas, dos ventos que a atravessaram, nós também nos tornamos mais densos com o tempo.
O corpo muda, é verdade, e às vezes nos cobra a conta dos excessos ou descuidos. Mas a mente aprende a olhar com outra lente. Certas urgências desaparecem, como quem finalmente entende que não é preciso correr para todos os lugares ao mesmo tempo. Envelhecer é perceber que nem toda batalha precisa ser travada, nem toda palavra precisa ser dita, nem todo olhar precisa de resposta.
Não se trata de resignação, mas de lucidez. Descobre-se que amadurecer é também escolher com mais clareza o que se come, com quem se gasta energia, quais lembranças se decide cultivar. E nesse exercício, a vida, que parecia tão extensa, se mostra breve e ao mesmo tempo infinita em possibilidades.
Talvez o significado de envelhecer não esteja em contar quantos anos já se passaram, mas em perceber quantas versões de nós mesmos já fomos capazes de abrigar. O tempo não rouba, ele nos multiplica. O que chamamos de envelhecer pode ser apenas o ato de colecionar vidas dentro da mesma vida. Viver é colecionar versões de si