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A impossibilidade da não-escolha: quando adiar é decidir

  • Foto do escritor: Ana Luiza Faria
    Ana Luiza Faria
  • 27 de jun.
  • 3 min de leitura

Por Ana Luiza Faria


Pessoa em dúvida diante de caminhos opostos, representando a impossibilidade da não-escolha.

Muitas vezes, acreditamos que podemos evitar tomar decisões. Fingimos neutralidade, adiamos, nos calamos, como se a ausência de uma escolha pudesse suspender seus efeitos. Mas viver implica escolher e até a não-escolha é, por si só, uma forma de decisão.


Não existe neutralidade possível diante da vida. Quando evitamos um caminho, não estamos parados: estamos seguindo outro o da inércia, da repetição ou da fuga. Dizer “ainda não sei” diante de um convite, de um impasse ou de uma crise é, na prática, optar por não se envolver. Esse adiamento molda a realidade: sustenta vínculos frágeis, prolonga desconfortos, mantém ciclos em movimento. O custo da não-escolha é alto, justamente porque age de forma invisível.


Muitos acreditam estar se protegendo ao não agir. O que não percebem é que, ao não se posicionarem, estão deixando que o mundo escolha por eles. Não reagir a uma situação desconfortável é aceitar suas condições. A tentativa de escapar da responsabilidade é, na prática, uma entrega a ela. Quando a consciência desperta, talvez já não reste margem para criar algo novo apenas para lidar com o que sobrou.


Toda escolha envolve riscos: medo de errar, de ser julgado, de perder algo. Mas ao evitar o risco, o que se perde é a clareza. Vive-se em névoa, como se isso fosse uma proteção. O sofrimento, no entanto, não se dissolve apenas muda de forma. Ele se desloca: vira insônia, apatia, irritação. Vai se infiltrando no corpo, nos relacionamentos, no esvaziamento do sentido de viver.


Quantas situações se prolongaram na sua vida por medo de decidir? Quantas conversas ficaram inacabadas? Quantos ciclos se repetiram, e quantas oportunidades passaram? A vida não espera certezas. Enquanto você posterga, ela continua. O tempo age sobre você, ainda que você tente se ausentar. Cada não-escolha também escreve sua biografia.


É comum disfarçarmos a não-escolha como prudência. Mas, na maioria das vezes, é apenas receio. Um receio compreensível, mas que, quando não reconhecido, paralisa. E o que paralisa também define. A não-escolha não suspende as consequências. Apenas nos priva da chance de assumi-las com autonomia. Os efeitos virão, mas sem nossa participação ativa na construção.


É preciso abrir mão da ilusão de que não decidir mantém opções abertas. O que se conserva, nesse caso, é apenas o engano do controle. A escolha evitada se transforma em prisão: mantém padrões, dores e histórias. O que chamamos de espera torna-se mecanismo de repetição. O tempo segue, e junto dele, tudo aquilo que poderia ter sido diferente se houvesse uma escolha.


Talvez essa seja a constatação mais sensível: até o que deixamos de fazer, fizemos de algum modo. A omissão também tem autoria. A ausência de ação é, em si, uma forma de ação. Cada espaço não ocupado foi preenchido por outra coisa. Tudo o que evitamos continua nos moldando, mesmo em silêncio.


Em algum momento, é necessário aceitar que viver implica perder. Toda escolha envolve uma renúncia. Mas aquilo que não escolhemos também se perde — e, muitas vezes, sem que saibamos exatamente o quê. Isso gera uma dor difícil de nomear: o luto do que não foi vivido. A frustração de quem passou pela vida entre adiamentos e silêncios que nunca se resolveram. A sensação de ter se ausentado da própria história.


Então vale perguntar:

O que você vem evitando?

Que decisão tem sido adiada?

O que já sabe que precisa mudar, mas segue sustentando por medo do que pode acontecer?


Essas perguntas não são acusações. São convites.

Convites para retomar a autoria do que se vive.

Para reconhecer que a recusa em agir também cria consequências.

Que cada dia vivido no “ainda não é hora” também deixa marcas no corpo, nos vínculos, no caminho.


Escolher é assumir riscos, é se comprometer com o desconhecido.

Não escolher é optar pela estagnação.

E a estagnação cobra caro: desconecta a pessoa de si mesma, a distancia do que poderia ter sido.

Faz com que a vida pareça um roteiro repetido, onde já não se reconhece autoria.


A boa notícia é que sempre é possível interromper esse ciclo.

Não existe idade certa, nem fórmula perfeita.

O que importa é a honestidade.

A disposição de olhar para si e reconhecer:

“O que eu deixo de escolher já está decidindo por mim.”


E se está, talvez seja hora de agir diferente.

De assumir o que ainda pode ser vivido com consciência.

De seguir, mesmo com medo.


Porque não há como não escolher.

E se é inevitável, que seja com presença.


Tags: impossibilidade da não-escolha

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